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O presidente do STF, Dias Toffoli.NELSON JR |
O procurador da
República Deltan
Dallagnol buscou ativamente informações e dados na investigação da
Operação Lava Jato que pudessem constranger o ministro do Supremo Tribunal
Federal, Antonio Dias Toffoli, em um momento em que o atual presidente da
Corte começava a ser visto como um adversário pela operação. Ainda que
ministros do Supremo não possam ser investigados por procuradores de primeira
instância (como Dallagnol e seus colegas) —a Constituição determina que eles só
podem ser investigados pelo Procurador-geral da República com autorização do
próprio STF—, mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e
analisadas com a Folha de S. Paulo mostram que o coordenador da
força-tarefa da Lava Jato em Curitiba solicitou informações sobre as finanças
pessoais de Toffoli e sua mulher e a respeito de uma possível ligação de ambos
com empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras.
A nova reportagem, feita com
base no material vazado ao The Intercept e cuja origem está em
investigação na Polícia Federal, acirra o embate entre os procuradores de
Curitiba e o Supremo no dia da retomada dos trabalhos do Judiciário. O STF tem
na fila de espera julgamentos a respeito da Lava Jato, o mais esperado deles o
que retoma a análise do pedido da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que
acusa o então juiz da Lava Jato —e também alvo dos vazamentos— Sergio Moro de
parcialidade Em declarações à Folha nesta quinta-feira, o
ministro Gilmar Mendes afirmou que as revelações dos diálogos reforçam a
certeza de que "o Brasil está diante da maior crise que se abateu sobre o
aparato judicial desde a redemocratização". Segundo Mendes, as conversas
provam que os procedimentos da Operação Lava Jato "atingiram, num só ato,
dois pilares do sistema: a PGR e a Justiça Federal" e "e explicitam
os abusos perpetrados pela denominada força-tarefa", além de reclamar
"as providências cabíveis por parte de órgãos de supervisão e
correição". "Como eu já havia apontado antes, não se trata apenas de
um grupo de investigação, mas de um projeto de poder que também pensava na
obtenção de vantagens pessoais", criticou Mendes.
As mensagens publicadas na
nova reportagem também sugerem que, além de recorrer aos colegas para obter
informações sobre Toffoli, Dallagnol sabia que a Receita Federal tinha dados
sobre ele e sua cônjuge na Receita Federal, especificamente, sobre o escritório
de advocacia de Roberta Rangel. Nesta quinta-feira, o ministro do Supremo
Alexandre Moraes determinou a suspensão da investigação na Receita Federal
sobre 133 contribuintes, entre os quais Gilmar Mendes e Roberta Rangel, e
mandou afastar dois servidores do órgão que atuaram nessa investigação.
O procurador pôs a mira
sobre o ministro do STF em julho de 2016, quando a empreiteira OAS
negociava um acordo para colaborar com a Lava Jato em troca de benefícios
penais para seus executivos. Poucos meses antes, Toffoli tomou duas decisões no
Supremo que contrariaram os interesses da Lava Jato: votou para afastar de
Curitiba as investigações sobre corrupção na Eletronuclear e soltou o
ex-ministro petista Paulo Bernardo, poucos dias após sua prisão pelo braço da
Lava Jato em São Paulo.
De acordo com a reportagem
de The Intercept e da Folha, no dia 13 de julho, Dallagnol
perguntou aos procuradores que negociavam com a OAS: "Caros, a OAS trouxe
a questão do apto do Toffoli?". O promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes,
de Brasília, respondeu que não. Duas semanas depois, Dallagnol procurou Eduardo
Pelella, chefe do gabinete do então procurador-geral Rodrigo Janot, para
repassar informações que apontavam Toffoli como sócio de um primo num resort no
interior do Paraná e perguntar sobre "o apartamento que foi
reformado". Pelella passou-lhe, então, o endereço da casa de Toffoli. “Sei
que o competente é o PGR rs, mas talvez possa contribuir com vocês com alguma
informação [sobre Toffoli], acessando umas fontes”, ofereceu-se Dallagnol na
conversa com Pelella.
Dallagnol interessou-se no
imóvel porque, nas primeiras reuniões com os procuradores da Lava Jato, os
advogados da OAS contaram que a empreiteira havia participado de uma reforma na
casa de Toffoli em Brasília. Os serviços tinham sido executados por outra
empresa indicada pela construtora ao ministro, e ele fora o responsável pelo
pagamento. O ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que disse ter tratado do
assunto com Toffoli e era réu em vários processos da Lava Jato, afirmou a seus
advogados que não havia nada de errado na reforma, mas o caso despertou a
curiosidade dos procuradores mesmo assim.
Quando a revista Veja publicou,
em agosto de 2016, uma reportagem de capa sobre o imóvel de Toffoli,
indicando a delação de Leo Pinheiro como fonte das informações. O vazamento
causou um mal estar no STF e levou a Procuradoria-Geral da República a
suspender as negociações com a OAS, para evitar conflitos prejudicariam o
andamento de outras investigações. “Qdo chega no judiciário, eles se fecham”,
reagiu Dallagnol no chat com os colegas um dia após a publicação da reportagem
sobre Toffoli. “Corrupção para apurar é a dos outros.” Até hoje a delação de
Leo Pinheiro, da OAS, está pendente de homologação do Supremo.
Em outro momento, o
procurador Orlando Martello sugeriu que os colegas pedissem à Secretaria de
Pesquisa e Análise (SPEA) da Procuradoria-Geral da República um levantamento
sobre pagamentos da OAS ao escritório da mulher de Toffoli. "A respeito do
Toffoli, peçam pesquisa para a Spea de pagamentos da OAS para o escritório da
esposa do rapaz q terão mais alguns assuntos para a Veja”, disse no Telegram.
“Não é nada relevante, mas acho q da uns 500 mil”. Em resposta ao colega,
Dallagnol disse que a Receita Federal já pesquisava o tema, mas que ele
desconhecia os pagamentos que teriam sido feitos pela OAS. “A RF tá
olhando", escreveu. “Mas isso eu não sabia”.
Quando o também ministro do
STF Gilmar Mendes saiu em defesa de Toffoli, após a publicação
da Veja, Dallagnol voltou a procurar Orlando Martello em busca de
novidades sobre a mulher de Toffoli e sugeriu que ele também buscasse
informações sobre a mulher de Gilmar, Guiomar Mendes. “Tem uma conversa de que
haveria recebimentos cruzados pelas esposas do Toffoli e Gilmar”, escreveu
Dallagnol. “Tem mta especulação. Temos a prova disso na nossa base? Vc teve
contato com isso?”. Martello negou as suspeitas, mas passou informações sobre a
atuação do escritório da mulher de Toffoli na defesa da empreiteira Queiroz
Galvão, no Tribunal de Contas da União. O informante de Martello, não
identificado na conversa, dizia ter encontrado uma procuração na qual apareciam
Toffoli e a esposa como representantes da empresa no TCU e sugeria que essa
ligação obrigava o ministro a se afastar dos processos da Lava Jato.
De fato, Toffoli e a mulher
foram sócios do escritório de advocacia até 2007, quando ele saiu para assumir
a chefia da Advocacia-Geral da União. Em fevereiro de 2019, O Estado de
São Paulo publicou que tanto a esposa de Toffoli unto a de Gilmar Mendes
foram alvo da Receita Federal: elas fizeram parte de um grupo de 134
contribuintes investigados por uma equipe especial criada pelo fisco em 2017.
Em 14 de novembro de 2016,
Dallagnol fez uma brincadeira com a possibilidade de Toffoli ser enquadrado
pela força-tarefa da Operação. “Quem aposta que Toffoli cai até o fim da LJ?
Por enquanto a aposta de que cai para mais, mas a coisa pode se inverter kkkk”,
escreveu aos colegas do grupo Filhos do Januario 1, no Telegram.
Outros
alvos
As mensagens obtidas também
mostram que Dallagnol usou a delação da OAS para tentar barrar a indicação do
ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Martins para para a vaga
aberta no STF com a morte de Teori Zavascki em 2017. Martins foi mencionado
na delação de Léo Pinheiro, e Dallagnol voltou a procurar o assessor de Rodrigo
Janot para que o procurador-geral alertasse o então presidente Michel Temer
sobre o fato. “É importante o PGR levar ao Temer a questão do Humberto Martins,
que é mencionado na OAS como recebendo propina…”, disse Dallagnol ao colega.
“Deixa com ‘nós'”, respondeu Pelella.
À Folha, Martins disse
nesta quinta-feira que os procuradores "passaram de todos os limites"
e que ele sempre julgou contra os interesses da OAS no STJ. "O objetivo
deles era me tirar [da disputa pela vaga no Supremo]. Mas quem sou eu para ir
para o STF? Um simples mortal. Nunca disputei, nunca pedi, nunca quis
isso", afirmou.
Em nota, a força-tarefa da
Lava Jato afirma que Dallagnol "nunca solicitou à Receita Federal que
investigasse ministros do Supremo Tribunal Federal ou familiares e tampouco
orientou os trabalhos do órgão, sequer tendo conhecimento de quem são os
auditores responsáveis por eventual ação". Os investigadores salientam que
suas ações restringiram-se ao escopo de sua competência, ou seja, a primeira
instância do Judiciário. "As informações sobre detentores de foro
privilegiado que chegaram ao grupo sempre foram repassadas à Procuradoria-Geral
da República, como determina a lei. Algumas dessas informações chegaram à
força-tarefa porque ela desempenha o papel de auxiliar da PGR na elaboração de
acordos, mas nunca por causa de investigações", acrescenta a nota.
Fonte: El País