Segundo promotora, porteiro
pode ser processado por falso testemunho se for comprovado que mentiu em
depoimento
RIO — O Ministério Público
do Rio (MP-RJ) informou nesta quarta-feira que o depoimento do porteiro do
condomínio do presidente Jair Bolsonaro sobre a liberação da entrada
do ex-PM Élcio Queiroz não é compatível com a gravação da chamada
feita pelo interfone da portaria.
Em coletiva de imprensa, o
MP afirmou que o áudio confirma que quem autorizou a entrada de Élcio no
condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, foi o
sargento aposentado da Polícia Militar Ronnie Lessa. A gravação
confirma que os dois acusados do assassinato da vereadora Marielle Franco e do
motorista Anderson Gomes se encontraram horas antes do crime no dia 14 de março
de 2018.
Cronologia : Relembre
os principais fatos da investigação
Segundo o MP-RJ, embora a
planilha de controle de entradas e saídas no condomínio indique que Élcio teria
informado que iria à casa 58, a gravação mostra que houve contato da portaria
com a casa 65. A voz do homem que atendeu o porteiro foi identificada pelos
peritos do MP como sendo de Lessa, a partir de uma comparação com a voz dele
registrada em depoimentos à Polícia Civil do Rio.
A promotora Simone Sibilio,
do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Autorizado (GAECO), ainda não
é possível dizer o motivo pelo qual o porteiro do condomínio disse à polícia,
em dois depoimentos diferentes, que a voz responsável por autorizar a entrada
de Élcio era a de “Seu Jair”, em referência ao presidente Jair Bolsonaro.
As informações relativas aos
dois depoimentos do porteiro, que ocorreram sem a presença do MP-RJ, ainda
serão apuradas. O processo ao qual ele pertence está sob sigilo e foi levado
pela promotoria ao Supremo Tribunal Federal (STF), dada as menções à casa de
Bolsonaro na planilha e ao nome dele no depoimento. As condições das afirmações
do porteiro estão sob apuração, de acordo com a promotora Sibilio.
— O porteiro pode ter
lançado o número 58 (na planilha) por vários motivos. Esses motivos serão
apurados — explicou a promotora.
Caso seja comprovado que o
profissional mentiu nos depoimentos prestados em 7 e 9 de outubro, ele pode ser
processado por falso testemunho. Em um primeiro momento, a hipótese de que isso
tenha acontecido foi confirmada pela promotora Sibilio. Questionada se o
porteiro havia mentido, ela chegou a confirmar:
— (O porteiro) Mentiu.
Isso está provado por uma prova técnica. As testemunhas prestam depoimento,
todos os elementos precisam ser checados. Todos os elementos o GAECO checa.
Nada passa sem ser checado — disse Sibilio.
Quando questionada novamente
se poderia dizer categoricamente que o porteiro mentiu, Sibilio evitou retomar
a afirmação.
— A prova técnica juntada
aos autos mostra que no dia 14 de março de 2018 às 17h07, quem autoriza a
entrada de Élcio Queiroz no condomínio é Ronnie Lessa.
Ao ser questionada se o
porteiro pode ser processado, ela responde:
— Qualquer testemunha que
mente, seja o porteiro ou qualquer outro, podem ser processados. Ele e todos os
demais que mentem — afirmou Sibilio.
Em depoimento à Polícia
Civil, encaminhado ao Ministério Público do Rio (MP-RJ), o porteiro disse que a
entrada de Élcio foi autorizada por uma pessoa cuja voz ele identificou como a
de "seu Jair". Após constatar, através das câmeras de segurança, que
o visitante se dirigia para outra casa, o porteiro informou ter ligado
novamente para a residência 58 , e que "seu Jair" informou pelo
inteforne que "sabia para onde Élcio estava indo". Registros de
presença na Câmara dos Deputados mostram, no entanto, que Bolsonaro estava em
Brasília no dia 14 de março do ano passado.
Sibilio também explicou que,
devido ao registro relativo à casa do presidente Jair Bolsonaro e a menção a
ele no depoimento do porteiro, o presidente do Supremo Tribubal Federal (STF),
ministro Dias Toffoli, foi procurado, conforme estabelece a lei. Isso ocorreu
em 10 de outubro. Ela disse ainda que essa parcela da investigação, incluindo o
depoimento do porteiro, permanecem com a Corte por tratar de uma autoridade com
foro por prerrogativa de função.
Tanto a planilha que
registrou as visitas no condomínio entre janeiro e março de 2018, como as
gravações desse mesmo período, foram entregues ao Supremo. A remessa incluiu
outras informações, como o registro de presença de Bolsonaro na Câmara. Segundo
a procuradora Sibilio, o Procurador-geral da República Augusto Aras também
tomou ciência do caso.
O Jornal Nacional, da TV
Globo, noticiou na noite de terça-feira a existência da anotação e o depoimento
do porteiro, assim como a existência do registro de presença na Câmara e a
possibilidade de a investigação chegar ao STF por ter passado a envolver o
presidente. Bolsonaro classificou a reportagem como "patifaria"
e a defesa dele chamou o depoimento do porteiro de mentiroso.
Atenção recente às planilhas
Ainda de acordo com o MP-RJ,
as planilhas que registram as presenças do condomínio foram apreendidas em 5 de
outubro deste ano. Quando recolhido, o material mostrou a existência de uma
anotação referente às 17h10 do dia 14 de março de 2018, com o campo referente à
autorização em branco.
Somente a partir da
apreensão e da menção à casa 58 foi que a investigação passou a envolver o nome
do presidente da República. Naquele momento, estava sob apuração o encontro de
Lessa e Élcio na data do crime, o que ambos negavam desde março, quando foram
presos na Operação Lume.
O interesse pelos registros
de entrada e saída surgiu porque em outubro, após a perícia dos celulares
apreendidos com Lessa, foi encontrada uma imagem da planilha enviada a ele por sua
mulher, Elaine Lessa, em 22 de janeiro deste ano. O envio ocorreu quando ambos
ainda estavam em liberdade.
Elaine enviou o conteúdo a
Lessa dois dias antes do depoimento dele à Polícia. Junto com a imagem que
mostrava o pedido de Élcio para acessar o condomínio, Elaine escreveu: “Liga
para o Élcio” e Lessa respondeu: “Ok”.
Na manhã do dia em que as
mensagens foram tocadas por Elaine e Lessa, o MP-RJ e a Polícia Civil prenderam
cinco suspeitos de integrar uma milícia em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio.
Entre os alvos da operação batizada de "Os Intocáveis" estava o
ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como chefe do
Escritório do Crime, do qual Lessa faria parte.
A perícia no celular de
Lessa demorou quase oito meses porque, segundo o MP-RJ, os aparelhos dele foram
encontrados bloqueados com senha e em modo avião. Como Lessa se recusou a
conceder o código de acesso, a promotoria precisou acessar os dados com
autorização judicial. A perícia só foi concluída em outubro.
Quando o MP recebeu o
resultado da perícia, em outubro, foi pedida apreensão da planilha, a partir do
conteúdo das mensagens de Elaine. Só então foi constatado que havia anotação
referente à casa 58, onde vivia Bolsonaro.
Cerca de dois dias depois,
segundo o MP-RJ, os áudios que registraram os contatos entre a portaria e a
casa foram entregues à polícia voluntariamente pelo síndico do condomínio. As
gravações foram periciadas pelo MP-RJ, que atestou a autenticidade de seu
conteúdo.
— A questão da autenticidade
do equipamento ou das gravações, isso tem que ter feito por perito técnico. Foi
confirmada a ausência de adulterações naquelas gravações — garantiu a promotora
Letícia Emily, uma das responsáveis pelo caso.
'Erro de análise'
Questionada se as planilhas
deveriam ter sido recolhidas ainda em março deste ano, quando Lessa e Élcio
foram presos, a promotora a apreensão poderia ter ocorrido antes, em março,
quando Lessa e Élcio foi preso. Naquela ocasião, no entanto, as diligiências no
condomínio contemplaram apenas a casa 65, onde vivia o sargento aposentado da
PM.
— Foi um erro de
análise — classificou Letícia Emily, quando questionada sobre a demora para a
apreensão.
Durante a coletiva, a
coordenadora do GAECO, Simone Sibilio, afirmou que o MP-RJ não compactua com o
vazamento de informações sobre a investigação. Ela também disse que não sabe se
o governador Wilson Witzel (PSC-RJ) soube do caso com antecedência, conforme
afirmou Bolsonaro na terça-feira, após a divulgação das informações pela TV
Globo.
Cronologia da apreensão
22 de janeiro de 2019: O
MP-RJ e a Polícia Civil do Rio prenderam integrantes de uma milícia em Rio das
Pedras. Naquele dia, Ronnie Lessa recebeu de Elaine, sua mulher, uma foto da
planilha de registro de visitantes do condomínio Vivendas da Barra com a frase
"Liga para o Élcio".
24 de janeiro de 2019: Lessa
e Élcio de Queiroz depõem e negam que estavam juntos no dia do assassinato de
Marielle Franco.
12 de março de 2019: Lessa e
Élcio são presos na Operação Lume, do MP-RJ e da Polícia Civil. Junto a outros
itens, celulares de Lessa são apreendidos. Eles estavam em modo avião e tinham
bloqueio de segurança. O sargento aposentado da PM não entregou os códigos de
desbloqueio.
4 de outubro de 2019: Em
posse do resultado da perícia nos celulares de Lessa e da mensagem enviada por
Elaine em janeiro, o MP-RJ requer à Justiça a busca e apreensão das planilhas
de registro de entrada e saída do condomínio.
5 de outubro de 2019: A
busca e apreensão coloca a Polícia Civil e o MP-RJ em posse dos registros
referentes a janeiro, fevereiro e março de 2018.
7 de outubro de 2019: O
porteiro do condomínio responsável pela anotação do dia 14 de março de 2018,
quando Marielle foi morta, é ouvido pela primeira vez pela Polícia Civil, sem a
presença do MP-RJ. Ele afirma que Élcio informou na portaria que iria para a
casa 58, onde "seu Jair" teria atendido o interfone e autorizado a
entrada. Segundo o MP-RJ, houve menção específica ao nome do presidente Jair
Bolsonaro.
9 de outubro de 2019: A
Polícia Civil ouve o porteiro pela segunda vez. Ele reafirma o que já havia
dito.
10 de outubro de 2019: O
MP-RJ leva o caso ao STF diante da menção ao nome de Bolsonaro, que possui foro
por prerrogativa de função. O ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, é
informado. O MP-RJ diz que Augusto Aras, chefe da PGR, também tomou
ciência. O
caso Marielle Franco em imagens Bolsonaro
Marielle.