“A democracia brasileira
inspira cuidados e exige muita responsabilidade dos atores políticos, sobretudo
daqueles que se colocam no campo conservador, mas têm apreço pelas liberdades”
Uma tuitada do vereador
carioca Carlos Bolsonaro (PSL), sempre ele, assombrou o mundo político de
segunda para terça-feira: “Por vias democráticas a transformação que o Brasil
quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer. Só vejo
todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram
continuam nos dominando de jeitos diferentes!”, escreveu. O comentário provocou
reações do presidente em exercício Hamilton Mourão e dos presidentes da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de repulsa
generalizada na sociedade civil. Diante da repercussão, o filho do presidente
Jair Bolsonaro, que se recupera de uma nova cirurgia, tirou por menos e disse
que apenas estava tentando explicar as dificuldades para fazer as reformas.
A desculpa seria aceitável
se não houvesse uma sequência de atitudes, declarações e decisões
administrativas do próprio presidente Jair Bolsonaro com forte viés
autoritário, que, de certa forma, corroboram a sensação de que temos um chefe
do Executivo pouco comprometido com as instituições democráticas. Nesse
aspecto, a nossa democracia depende muito mais da robustez e prestígio de suas
instituições, que, de certa forma, foram desgastadas pela crise ética que na
última década se instalou no país, e sobretudo da correlação de forças
políticas na sociedade. Quanto a isso, embora a polarização política direita
versus esquerda favoreça as vertentes autoritárias, indiscutivelmente o campo
democrático ainda é majoritário.
Há que se distinguir essas
ideias reacionárias e de caráter golpista do pensamento conservador de setores
da sociedade que apoiaram a eleição de Jair Bolsonaro, mas não estão nem um
pouco dispostos a embarcar numa aventura autoritária. Nesse aspecto, convém
ressaltar a declaração firme e objetiva do vice-presidente Hamilton Mourão, um
militar de carreira: “Vou repetir para você: pacto de gerações, democracia,
capitalismo e sociedade civil forte. Sem isso, a civilização ocidental não
existe”. Existe um amplo consenso nacional quanto a isso. Entretanto, ele sofre
desgaste, por isso, precisa ser permanentemente atualizado e renovado.
Na verdade, vivemos uma
situação nova: não existe mediação na polarização direita versus esquerda a
partir de um governo que busque o apoio do centro. Essa foi a lógica de todos
os governos anteriores, à esquerda ou à direita. Entretanto, o governo
Bolsonaro não se propõe a isso, ele se posiciona como o principal eixo da
extrema direita e é aí que mora o perigo. Beneficia-se de um amplo apoio
existente na sociedade às ideias neoconservadoras, que não são necessariamente vocacionadas
à adoção de um regime autoritário, porém, criam condições mais favoráveis para
que esse tipo de projeto viceje livremente.
Responsabilidade
Desde os anos 1980, existe uma forte corrente política neoconservadora mundial, que inclusive protagonizou governos neoliberais muito bem-sucedidos, como o de Margareth Tatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, sem que, por isso, esses países renegassem a democracia. O que defendem os neoconservadores? Em primeiro lugar, uma política econômica orientada para valorizar o capital e colocar em marcha o processo de acumulação, mesmo que para isso tenha que manter uma alta taxa de desemprego; em segundo, a redução dos custos de legitimação do sistema político, o combate à “inflaçao de reivindicações” e mais “governabilidade”; em terceiro, a fragilização do movimento cultural e dos seus artistas e intelectuais críticos, em benefício da cultura alicerçada na família tradicional, na religião e no patriotismo.
Desde os anos 1980, existe uma forte corrente política neoconservadora mundial, que inclusive protagonizou governos neoliberais muito bem-sucedidos, como o de Margareth Tatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, sem que, por isso, esses países renegassem a democracia. O que defendem os neoconservadores? Em primeiro lugar, uma política econômica orientada para valorizar o capital e colocar em marcha o processo de acumulação, mesmo que para isso tenha que manter uma alta taxa de desemprego; em segundo, a redução dos custos de legitimação do sistema político, o combate à “inflaçao de reivindicações” e mais “governabilidade”; em terceiro, a fragilização do movimento cultural e dos seus artistas e intelectuais críticos, em benefício da cultura alicerçada na família tradicional, na religião e no patriotismo.
Essas tendências sempre
existiram no Brasil. Desde a redemocratização, porém, somente se tornaram
hegemônicas após o colapso do governo de Dilma Rousseff, com o fracasso de sua
“nova matriz econômica”, o que a levou ao impeachment, e a desestabilização do
governo tampão de Michel Temer, em razão das denúncias do ex-procurador-geral
da República Rodrigo Janot. Uma tempestade perfeita, digamos assim,
inviabilizou qualquer possibilidade de sucesso tanto da esquerda como das
forças de centro nas eleições passadas.
Havia uma expectativa de que
o novo presidente da República deixasse de lado a retórica ultraconservadora da
campanha eleitoral e buscasse ampliar a sua base de sustentação com alianças ao
centro, em razão do apoio que recebeu dessas forças no segundo turno, mas não
foi o que ocorreu. O que prevaleceu foi a natureza disruptiva de seu governo. O
resto é consequência.
Entretanto, o Brasil dispõe
de instituições democráticas legitimadas por um processo constituinte e faz
parte do eixo ocidental da ordem mundial, não há uma rota irreversível em
direção ao autoritarismo. A democracia brasileira, porém, inspira cuidados e
exige muita responsabilidade dos atores políticos, sobretudo daqueles que se
colocam no campo conservador, mas têm apreço pelos direitos humanos e pelas
liberdades.
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