Material nunca foi entregue aos alunos das escolas públicas
e custou cerca de R$ 20 milhões. Edições compradas em gestões anteriores
estariam desatualizadas para uso.
Foto: (Divulgação) |
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
órgão do Ministério da Educação (MEC), quer descartar livros didáticos
considerados sem utilidade, que nunca foram entregues a alunos das escolas
públicas do País. Com isso, ao menos 2,9 milhões de exemplares, comprados em
gestões anteriores, podem ser descartados.
O processo para "desfazimento dos livros
inservíveis" começou no fim de 2019, quando a área de logística e
distribuição do FNDE alertou, em documento, para a necessidade de reduzir o
estoque armazenado em depósito alugado dos Correios, em Cajamar, Grande São
Paulo. O documento, obtido com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo,
aponta que o total de exemplares no local não é nem mesmo conhecido pelo órgão,
por isso, indica a necessidade de se montar uma comissão para levantar o número
de livros e sua "validade".
Levantamento preliminar do estoque feito em dezembro
apontou que a reserva técnica tinha 4,2 milhões de livros didáticos, sendo que
2,9 milhões "venceram" entre 2005 e 2019. O Estado apurou que esses
livros, de todas as disciplinas e de todas as séries (do ensino fundamental e
do médio), estão ainda embalados e nunca foram abertos. Há ainda uma quantidade
desconhecida de exemplares, que chegaram a ser entregues nas escolas antes de
2012, e depois foram levados ao local.
Contando só os 2,9 milhões de livros nunca usados, o gasto
estimado é de mais de R$ 20,3 milhões - em média, a compra de cada unidade
custa R$ 7. Segundo o Estado apurou, servidores calculam que o estoque possa
ser até três vezes maior.
Os exemplares foram comprados pelo MEC no Programa Nacional
do Livro e do Material Didático (PNLD), que distribui obras a todas as escolas
públicas municipais e estaduais. Para evitar que alunos fiquem sem livro no
caso de abertura de turmas ou colégios, sempre é adquirida uma reserva técnica.
Há ainda escolas que rejeitam exemplares recebidos muito tempo após iniciar o
ano letivo. Essas unidades vão para o depósito.
A minuta da portaria para formar a comissão que vai
levantar o tamanho do estoque foi feita, mas ainda não foi publicada. No
documento a que o Estado teve acesso, o grupo deverá listar os livros
"desatualizados, obsoletos, ociosos, irrecuperáveis, antieconômicos ou em
desuso" para serem descartados. A expectativa é de concluir o mapeamento
até o fim de abril.
O desafio é dar um destino para esses livros, que trazem
gasto, uma vez que há custo para manter o estoque. Mas exemplares
desatualizados não podem ser entregues aos alunos. Outra saídas, como doar
parte do material, também são complexas, segundo especialistas ouvidos pela
reportagem.
Este mês, o presidente Jair Bolsonaro classificou os livros
didáticos como "péssimos" e com "muita coisa escrita". Dias
depois, o ministro Abraham Weintraub reforçou a crítica e disse que já deu
"boa limpada" no material. A necessidade de descarte de livros
"inservíveis" foi apresentada a ele no fim do ano, pouco antes da
troca do comando do FNDE. No dia 24, a servidora Karine dos Santos, que já
chefiou a área responsável pelo PNLD, foi nomeada para a presidência do órgão.
Em nota, o FNDE disse que "não há efetivamente nenhum
prejuízo" com a reserva de livros e defende ter cota extra para atender
"as escolas novas criadas a cada ano, os alunos que ingressam no sistema
de ensino e a eventual falta de livros em determinada unidade". Também
afirmou ter controle de "quais e quantos exemplares estão armazenados e
disponibilizados para solicitações das escolas". Mas não comentou sobre o
estudo de descarte.
Problema
Ex-dirigentes dizem que, quando estavam no MEC, não tiveram
conhecimento de número tão alto de livros parados e cobram transparência na
avaliação de exemplares. "Quando presidi o FNDE, o número de livros
comprados era para o número de alunos matriculados. É preciso apurar essa sobra
e qual foi de fato o prejuízo", disse o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE),
que foi da gestão Dilma Rousseff em 2015.
Secretária-executiva do MEC na gestão Michel Temer, Maria
Helena de Castro também disse desconhecer o estoque, mas afirmou que, se
existe, não pode ser aproveitado. "Um livro de 2005 não atende mais aos
editais do PNLD. Nesse período tivemos mudanças de diretrizes curriculares;
agora temos a Base Nacional Comum Curricular. Não dá para o livro defasado
chegar às escolas."
O excedente reforça mudança defendida pelo governo federal
de descentralizar o salário-educação - contribuição paga por empresas, que foi
de R$ 9,75 bilhões em 2018. O recurso é usado em programas como o do livro
didático e merenda. A ideia é repassar a verba diretamente às prefeituras para
que elas próprias comprem livros e alimentos. Para o governo, centralizar leva
a erros, como estoque excessivo, mas há ressalvas. "A compra em escala faz
cair o preço, garante que não haverá economia que faça com que o aluno tenha de
usar livro em mau estado ou não o receba", diz Priscila Cruz, do Todos
pela Educação.
Fonte: Estadão Conteúdo
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