9/10/2013

Um beijo para Putin

BEIJO
Foto: Maíra Kubík Mano
Acostumado a não poder protestar, Roman abre um sorriso para falar da manifestação que acaba de testemunhar. “Eu admiro o que está acontecendo aqui”, diz. “Estou surpreso que as pessoas apóiem os gays, lésbicas e trans* da Rússia. É importante fazer isso no estrangeiro para ser mais visível”.
Era um domingo ensolarado de outono quando cerca de 150 pessoas se beijaram diante da sede da embaixada russa em Paris, um grande cubo de concreto de estilo arquitetônico stalinista. O protesto era contra a lei que proíbe propagandas homossexuais. Aprovada recentemente por Putin, ela representa mais um capítulo da extensa perseguição institucional a gays, lésbicas e trans*.
Foto: Felipe Milanez
O ativista russo trans* Roman (Foto: Felipe Milanez)
Roman, que é trans*, acaba de fugir da Rússia e está pedindo asilo político à França. Processado em sua terra natal, ele, cujo sexo designado ao nascer era feminino, corria o risco de ser enviado para uma prisão masculina. “Na Rússia, uma pessoa homossexual ou trans* não sobrevive muito tempo na prisão. A pessoa é violentada, violada, ameaçada e até mesmo morta ou se suicida por não aguentar. É por isso que ele decidiu partir”, explica a tradutora da entrevista – por enquanto, Roman ainda não fala francês.
Agora, Roman parece à vontade e, talvez, aliviado. Jornalista, ele trabalhava como copydesk e foi detido durante um protesto. “O esforço do Estado é de impedir que as pessoas possam lutar por seus direitos”, comenta Roman.
“Na Rússia é proibido fazer manifestações se você estiver em duas ou mais pessoas. Então a saída é protestar sozinho. Você se posta em um lugar com um cartaz e, 50 metros depois, outra pessoa também, e assim vai. Isso é o que se pode fazer. E Roman estava protestando assim, mas foi preso do mesmo jeito. Ele ficou 8 horas detido e foi aberto um processo contra ele”, revela a tradutora. “E mesmo antes do julgamento ele já seria preso”.
Homofobia francesa
Só de pensar em uma situação como a vivida por Roman, Wilfred de Bruijn fica arrepiado. Em abril, época em que a discussão sobre o casamento igualitário estava fervendo na França, ele foi agredido por um grupo de homofóbicos em Paris, junto com seu companheiro Olivier. “Estávamos simplesmente andando de braços dados pela rua”, relata Wilfred, que ficou desfigurado. O socorro veio de policiais. “Agora, imagine que você é agredido e torturado porque você é homossexual e depois a polícia acha isso uma boa ideia e seu presidente está de acordo com isso. Imagine o clima de medo”, pondera, tentando colocar-se na pele dxs ativistas russos.
“Nós estamos falando de uma homofobia de Estado”, ressalta. “Isso afeta não só aos homossexuais, mas a toda a sociedade. Isso tem a ver com as mulheres que querem ser libertas, com os intelectuais e jornalistas, que são colocados nas prisões. É aterrorizante. Nós não somos ingênuos em acreditar que tudo vai mudar, mas precisamos começar por alguma parte. Fazer pressão, mostrar esses fatos graves”.
Aliás, a pressão durante o ato não era só em cima de Putin, mas também do Comitê Olímpico Internacional (COI). Xs manifestantes exigiam que os organizadores dos Jogos Olímpicos de Inverno, que ocorrerão em Sotchi, na Rússia, em fevereiro de 2014, tomassem uma posição contrária a perseguição sofrida pelxs LGBT*.
“É importante estar aqui para denunciar as torturas e o clima anti-LGBT na Rússia, LGBT-fóbico”, diz Amandine Miguel, integrante de uma associação feminista. Agitada e com um megafone na mão, ela era uma das líderes da manifestação. “O mesmo ato – denominado ‘Global Kiss-in’ – aconteceu em mais de 50 cidades do mundo, sempre às 15h”.
Feliciano
Quando questionado sobre o que acontecia no Brasil, xs entrevistadxs demonstravam surpresa. Wilfred era um dos que não sabia que temos como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal um deputado conhecido por atitudes racistas e homofóbicas. Ao ouvir sobre os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, ele resumiu muito bem a situação: “nossa, parecido com a Rússia!”.
À esquerda, Wilfred no protesto de ontem; à direita, após a agressão em abril (Fotos: Maíra Kubík Mano e Facebook/Divulgação)
À esquerda, Wilfred no protesto de ontem; à direita, após a agressão em abril (Fotos: Maíra Kubík Mano e Facebook/Divulgação)
Apenas Claudia, uma portuguesa da associação Acceptess-t, de pessoas trans*, parecia estar mais inteirada da atuação da bancada evangélica brasileira e de ataques homofóbicos em São Paulo. “Aqui nós temos gays na política e isso tem nos ajudado”, avalia. “Mas na França as pessoas trans* ainda são associadas a drogas, prostituição etc. Antes isso acontecia com os gays, mas não mais. Depois foi a vez de as lésbicas não serem mais vistas assim. Um dia seremos nós”.
Feliz, Claudia aponta para Roman e comenta como “é impressionante a transformação dele, não é?” Ela começa a balbuciar sobre as dificuldades da fuga dele, da travessia da fronteira, mas acha melhor interromper a narrativa. “Não posso nem comentar…”. Parece que o medo do governo Putin não tem limites territoriais.
(Com a colaboração de Felipe Milanez)

Fonte : Carta Capital

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